Fim anunciado…

Posted by Uma Coral chamada Petra on terça-feira, 26 de janeiro de 2010

foto: Vieirinha



Depois de aberto o baú, eu vou reler as cartas todas. Nas minhas mãos tenho a carta do fim anunciado. Lembro-me como se fosse hoje de quando a escrevi. As lágrimas escorriam ao mesmo passo de cada sílaba. Estava frio, muito frio. Era fim-de-semana e nesse dia mudava a hora. Eu estava despedaçada e tranquei-me dentro do meu próprio mundo. Não me interessava nada do mundo que corria lá fora. Lá de fora só conseguia ver a noite que era de lua cheia.
A minha alma estava gelada, desesperadamente gelada e atónita. Eu só queria estar comigo. Eu, a minha dor, e claro, a caneta e o papel. Nessa noite abandonei todas as cegueiras. Os meus olhos estavam sempre a transbordar de água e o chão daquele quarto parecia abanar. Na verdade era o meu mundo que parecia estar a sofrer um sismo. Deixei-me estar deitada naquele quarto de hotel a escrever. Só ali estava distante de uma parte do mundo lá fora que parecia empenhado em magoar-me ainda mais. Só ali conseguia estar comigo. Só ali me sentia a salvo e resguardada de criaturas e matérias que pudessem inflamar e espicaçar o que de pior havia em mim. Só ali me sentia protegida de espiãs maldosas e famintas de me colocarem no banco dos réus. Naquela altura todas as minhas posturas eram condenáveis. Tudo o que eu fizesse era observado ao milímetro e a acusação mais frequente, era que eu gostava de ser o centro das atenções. Só que a distinção entre mim e essas pessoas, era fácil de perceber. Eu não precisava de fazer absolutamente nada para que isso acontecesse. Enquanto que elas viviam constantemente a provocar situações para que as colocassem no centro.
Estava cansada de acusações medíocres e mesquinhas que incluíam o uso e abuso da minha inteligência para o mal. E eu tinha pena de certas pessoas, porque inteligência era algo que nunca tinha vivido na cabeça delas, logo não podiam saber que uma pessoa que a possua tem muito mais o que fazer com ela.
O nosso fim tinha sido anunciado. Já não restavam dúvidas. O fim era oficial. A decisão foi tomada a dois depois do primeiro passo que eu já tinha dado. Tu sabias que não ia ser fácil. Eu sabia que ia custar muito. Mas ambos sabíamos ser a decisão mais certa. Arriscávamo-nos a deitar por terra também a nossa amizade. E isso, nós não queríamos. Aliás…isso para nós era impensável. Não valia a pena tentar prosseguir com uma relação que há já algum tempo não funcionava.

Naquela noite eu estava atordoada…os dias anteriores tinham sido de desassossego e sobressalto constante. Naquela noite, tentei mentalizar-me ao escrever para ti de que aquilo era de facto o melhor para os dois.
O espelho mostrava-me a diferenças, as incompatibilidades, e eu tentava mentalizar-me dos universos diferentes, das nossas discrepâncias enquanto pessoas. E eu tentava mentalizar-me que o nosso encaixe se tinha despedaçado, parte por parte, em pedacinhos pequeninos.
Lembro-me de sentir medo de não conseguir superar. Lembro-me de chorar. Chorar muito. De recordar as coisas boas que vivemos. Eu só queria guardar o melhor de ti.
No meio de tantas dúvidas, naquela noite tive a certeza de que não queria perder o norte, nem o rumo da minha vida, e muito menos existir e coabitar num mundo com o qual não me identificava. Tu sabias que ser eu própria era algo indispensável na minha vida. Sempre soubeste. E também sabias que estava fora de questão deixar de ser eu.
Naquela noite vi todos os meus erros estampados no espelho. Reconheci-os todos. Um a um. Eu sabia que muitos deles haviam sido graves. Tu também já tinhas reconhecido o teu enorme descuido em não me ouvires quando te lembrava que a nossa relação caminhava para algo, com o qual eu jamais saberia viver. Eu tinha falado tantas vezes. E tu não escutavas, ou se calhar escutavas, mas não arranjavas maneira de saltar o muro que se estava a criar entre nós. Já tinhas admitido o teu maior desacerto. Tinhas-te acomodado. Assumiste que facilmente te acomodaste, e contaste-me daquela obtusa e estúpida ideia de que a nossa vida estava feita e que eu era um dado adquirido.

Estavas revoltado pelo travão que não conseguiste usar, por não teres feito nada para mudar o que estava mal, por não acreditares em mim quando bradava de forma constante que me estavas a perder.
Falaste da ausência de harmonia em aspectos evidentes, das vezes que não falaste ou não insististe em determinados conteúdos, pois eu não gostava e dizia sentir-me ainda mais asfixiada. Foi precisamente aí que se abriu espaço para a distância, e dia após dia ela estava mais patente.

A última conversa que tivemos antes dessa noite… não me saía da cabeça. Tinha a tua voz numa espécie de eco a dizer-me que estavas arrependido, tão arrependido por não contestares, por nem sequer te questionares o que realmente nos estava a fazer mal. Nem quando eu comecei a interrogar-me acerca do que estava a acontecer-nos tu quiseste ver ou reagir. Fomos procurando refúgios para não acreditar…
Durante essa conversa apontamos defeitos e virtudes. Havia uma certa culpa que me querias atribuir num discurso confuso que alternava entre a admiração das minhas virtudes e a desilusão dos meus defeitos. Quando me conheceste eu já era assim. Como tu dizias, nada me chegava, eu queria sempre mais, eu tinha sempre que subir mais um degrau, não podia sentir-me presa num patamar se sabia que havia um patamar mais acima. Tu costumavas dizer que a minha ambição era contagiante. Um dia disseste-me “ é tão bom aquilo que me fazes sentir, sinto que posso ter e ser tudo ao teu lado”. E eu sentia o mesmo. Que o nosso sentimento era tão nobre…que juntos podíamos tudo, porque tínhamos o amor do nosso lado.

Mas nessa conversa o amor já não era só amor. Era revolta, era um sem número de coisas e denúncias mesquinhas. Era a dúvida. A desconfiança. E o amor, o amor pode ter muitas coisas associadas… menos essas.

Por isso é que, eu, naquela noite gélida decidi fugir do mundo, e fechar-me dentro de mim própria. Era a primeira tentativa de página virada…a primeira de muitas.

Eu gostava tanto de ti...Tu gostavas tanto de mim...

Posted by Uma Coral chamada Petra on sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

foto: Sara Sa


Ultimamente tenho andado nostálgica. E a nostalgia leva-nos sempre de encontro ao passado. Ou o passado é que nos traz a nostalgia. Talvez seja isso, não sei bem.
Sei que hoje voltei lá mais uma vez e encontrei todas as cartas que te escrevi desde o inicio do nosso fim. Sim, porque as outras, ficaste tu com elas anexadas a todas as caixas e baús, todos os postais e fotografias. Dói-me pensar que tudo isso está num anexo qualquer da tua casa. Dói ainda mais pensar que possam já não existir, que tenhas tido a coragem de destruir esses pedaços da nossa história.
Comigo ficaram as cartas que nunca te entreguei, as outras que te ofereci mas que tu nunca leste. As secretas que nunca me atrevi a mostrar a ninguém, e as outras que ousei mostrar ao mundo.
Hoje reli a primeira de muitas que escrevi quando os nossos sentimentos pareciam estar a despenhar-se. Mesmo com os sentimentos em colisão frontal, eu sabia que continuava a gostar de ti. Preocupava-me contigo. E mesmo com o fim à vista eu continuava a acreditar que gostarmos um do outro chegava. Eu só precisava de espaço. E eu achava que aquele espaço seria a nossa “salvação”. Tu não entendias. Faltou-te a capacidade para entender que quando eu dizia estar farta, era porque sentia que estávamos perante uma relação completamente desgastada. Tu não compreendias quando tentava explicar o sufoco que as nossas diferenças se tinham tornado. Eu também não conseguia perceber como é que ao fim de três anos eram as nossas diferenças as culpadas. Porque diferentes… sempre fomos. Mas tinham sido precisamente essas diferenças a fazer-nos sentir completos um ao outro.
Tu eras a calma e a serenidade. Eu era a agitação e o alvoroço. E juntos, tínhamos a liberdade de sermos nós mesmos.
Eu gostava tanto de ti. Tinha orgulho em ti, orgulho do nosso amor, do nosso encaixe de personalidades apesar das nossas diferenças.
Tu gostavas tanto de mim. Gostavas de mim por inteiro. E eu gostava ainda mais de ti por isso. Por gostares de mim e de todos os outros “eus” existentes em mim.
Sorrias sempre que olhavas para mim. Sorrias e dizias que gostavas quando me ouvias filosofar a meio de uma conversa. Sorrias ao mesmo tempo que me chamavas curiosa, e dizias que nunca conheceste ninguém como eu, que perguntava tudo, que observava tudo. Tu gostavas de mim. Isso estava escrito nos teus olhos. Gostavas de mim de qualquer maneira. Estivesse eu contente, melancólica, lúcida, sóbria ou alterada. Gostavas de mim porque estivesse eu como e com quem estivesse era sempre eu. E eu gostava ainda mais de ti por me deixares ser eu própria.
Até ao dia em nos fartamos. Até ao dia em que a minha agitação aluiu a tua serenidade. Até ao dia em que a minha impulsividade zangou a tua calma. E ali estávamos nós…fartos, esgotados, a sentir a mágoa um do outro, e cheios de desilusão no olhar.
Fui eu que dei o primeiro passo para o fim. Quis ficar sozinha. Quis reflectir. Tudo à nossa volta parecia estar em guerra, e eu só pensava na paz que queria devolvida. A minha e a tua.
Não conseguia perceber o que estava a acontecer-nos. Não conseguia perceber se estávamos próximos do final, ou se estávamos a um passo de compreender o que realmente queríamos um para o outro. A única coisa que eu sabia, ou pelo menos pressentia, era que quando os meus sentimentos se reorganizassem eu seria uma pessoa um bocadinho mais forte.
O que eu não sabia nessa altura, era que, recompor e reconstruir um coração leva tempo…muito tempo…

Nostalgia estridente...

Posted by Uma Coral chamada Petra on segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

foto: Daniel Pedrogam


A última vez que escrevi, abri um documento de Word com o pensamento e a vontade de o preencher com linhas infinitas, linhas que se transformariam em folhas timbradas por palavras. Palavras. As minhas palavras para ti, as palavras que ainda tenho para te dizer. Por vezes questiono-me se estas palavras, estas palavras que aqui deposito serão realmente para ti ou para mim.
Dirijo-me quase sempre a ti, mas talvez a mensagem maior seja para mim.

No outro dia, quando me lembrei da data, quando o calendário passou a marcar o dia 16 de Janeiro, eu quis falar. Quis escrever, quis saber o porquê daquela data ter ainda a carga colossal que tem na minha vida.
Não consegui escrever mais do que uma linha. Uma frase. Uma frase em jeito de pergunta. A tal pergunta que faço a ti, mas que sei ser mais dirigida a mim do que a ti. Eu sei. É a mim que tenho que perguntar. Até porque tu já nem ouves, nem lês, e nem sequer sabes, que passado tanto tempo, ainda continuo a escrever para ti.

Tu também nunca deste grande importância a datas. Muito menos a datas que já não são para comemorar. Só eu continuo a fazer uma bolinha em volta dessa data. Sempre gostei de efemérides. Tu costumavas dizer que nunca me esquecia dos dias exactos em que as coisas aconteceram. E é verdade. Gosto de datas. De assinalar, de recordar e festejar. Os aniversários. Os dias em que conheci pessoas importantes, os dias em que tomei decisões que tiveram peso e mudança, os dias em que…tanta e infinita coisa. Os dias dos beijos, dos olhares, dos inícios das cumplicidades. E ficaria aqui numa lista interminável sobre os dias das coisas e dos momentos que eu tenho esculpidos na memória.
Naquele dia, ao olhar o 16 que o calendário marcava vi-te também estampado nesse número. Vi-te ali, vi-te tal e qual nesse dia de um dia 16 de Janeiro de há cinco anos atrás, e de tantos outros dias 16 de tantos outros meses, e de outras datas…e de ti com todas as expressões que te conheci. Foi por isso que não consegui escrever mais do que uma linha. Porque fiquei a olhar para ti…a ver-te e a rever-te uma vez mais e mais outra. Foi por isso que não escrevi mais do que uma frase. Não fui capaz. Deixei-me estar. Deixei-me ficar ali... presa no silêncio característico da nostalgia gélida e estridente que se abateu sobre mim.

5 anos...

Posted by Uma Coral chamada Petra on sábado, 16 de janeiro de 2010

Foto: Clicio Barroso


Será possível que este dia me traga ainda uma nostalgia cortante? Possivel é...agora só falta é saber porquê.

( Fariamos hoje 5 anos... se estivessemos juntos.)