Ouvir-me a mim própria...

Posted by Uma Coral chamada Petra on sábado, 6 de fevereiro de 2010

foto: Carla Salgueiro

Mais uma carta. Extensa, minuciosa e desenvolvida pela mescla de sentimentos que se sente quando existe uma ruptura.
Nem um mês tinha passado desde o fim oficial e anunciado. A pessoa para quem mais escrevia eras tu.
Mais uma carta. Não me lembro se foi escrita durante a noite ou sob a luz do dia. Sei que mais uma vez estava deitada na cama a pensar. Estava sempre a pensar em tudo o que os meus olhos viam, nos sons e palavras que iam chegando aos meus ouvidos. Mas os sentimentos, os sentimentos… eram eles que me ocupavam mais a mente.
Não me lembro se havia sol ou lua. Sei que estava estendida na cama a pensar que tu já não estavas ali. Nem tu, nem ninguém. Ali só restava uma pessoa…eu. Mesmo que errante, eu continuava a ser a pessoa mais importante. E apesar daquela nuvem triste a planar em cima da minha cabeça, eu nunca me esqueci do muito que era, e sou, no meio de tanta futilidade e pequenez que mundo me tinha mostrado. Eu sabia que por mais sozinha que me sentisse sem ti, nunca estaria realmente só. Porque tu não eras a única coisa boa na minha vida. Eu tinha mais. Muito mais. E esse mais, que é muito mais do que tu possas imaginar, composto por sentimentos e pessoas devolviam-me o sorriso quando só me apetecia chorar e destilar a minha dor. Estiveram sempre ali, a relembrar-me todas as razões que eu tinha para sorrir. E tinha. Ao contrário do que eu pensava, o meu mundo afinal não tinha saído do sítio. Sentiu-se um tremor sim, mas o meu mundo e as minhas pessoas continuavam ali. Estavam comigo. Gostavam de mim. Mais do que isso…não queriam modificar-me ou restringir-me a determinadas condições. Agarravam-me na mão nos momentos de descontrolo maior. Livravam-me do pânico. Olhasse para onde olhasse sentia-as perto de mim, e ninguém conseguia afasta-las…ao contrário de ti.

Agora vejo o quanto estava sensível. Mais sensível do que o normal. Um pouco mais susceptível e desequilibrada até. Oscilava entre dois extremos...Dois estados de espírito completamente opostos. Passava facilmente do riso às lágrimas e vice-versa. As lágrimas apareciam quando me lembrava do “lixo humano” do qual estávamos rodeados. As lágrimas eram frequentes porque as minhas emoções estavam mal geridas, porque eu ainda gostava de ti e tu de mim, e saber que num ápice deitamos tudo a perder, doía…

Apesar de tudo o que estava a fugir-me das mãos, eu ainda sorria. Sorria porque continuava a ser eu, porque havia ainda quem me olhasse com enternecimento, porque havia ainda quem me observasse e visse aquilo que eu não dizia. Para eles as minhas qualidades estavam muito acima dos meus defeitos. Tu apontavas-me os vícios e imperfeições e os meus amigos acentuavam-me as qualidades. E eles também sabiam das minhas desordens, dos desalinhos da minha mente, das confusões da minha natureza. Só que enquanto tu duvidavas da minha índole, eles lembravam-me que não era o meu caos interior que me roubava o carácter. Os meus amigos foram tão, mas tão importantes. Sempre soube. Mas hoje, passados mais de dois anos, ao ler esta carta repetidamente, sei que se não os tivesse ao meu lado, seria tão… mas tão mais difícil.

As minhas emoções estavam cabalmente desgovernadas. A ultima vez que tínhamos estado juntos tu estavas abatido e com uma expressão quase transfigurada. Lembro-me de olhar para ti e pensar: “ Como é possível que a minha forma de ser, te tenha magoado tanto? “.
Pela primeira vez senti que afinal não gostavas de mim por inteiro. Achavas que eu me dava demais às pessoas. E isso para ti era um defeito. Ou talvez não fosse um defeito, mas a certa altura começou a incomodar-te o que os outros pensavam.
Perguntavas vezes sem conta se ia revoltar-me contra o mundo e dizias que os outros não tinham culpa. E na verdade não tinham. Pelo menos a culpa maior não era deles. Culpa… tive eu que me deixei levar por emoções baralhadas e depois não soube -las no sítio. Culpa tiveste tu, que deixaste que algumas posturas menos boas invalidassem muito do que fomos e do que vivemos. Culpa… tivemos nós quando nos preocupamos em atribuir culpas a alguém…

Agora vejo o quanto estava frágil. Ainda mais frágil me sentia aos teus olhos. A cada conversa que tínhamos a minha fragilidade aumentava. E sim, a certa altura senti-me desconhecida aos teus olhos, como um dia te disse.
Entendes agora a minha decisão de ficar em silêncio? Eu não podia continuar a alimentar discussões e suspeitas.
Entendes agora a minha escolha de nem sequer querer ouvir? Se eu não podia calar as vozes que me atormentavam, podia escolher não ouvi-las…
Mas eu continuava a escrever para ti. Porque ao escrever para ti, estava ao mesmo tempo a ouvir a pessoa que mais precisava… a mim própria.

4 comentários:

. disse...

Fiquei em estado de choque quando li essa carta, kkkk. Sério, eu me identifiquei muuuuitoooo, muuuuuitooo! Perfeitas as suas colocações. Eu ainda escrevo cartas para esses dois destinatários que você citou, e como me são úteis.
Parabéns por esse post tão lindo!!! Vale a pena ler de novo, e de novo, e de novo!

Beijos e pétalas.

Menina do cantinho disse...

Olá!
Só quando começamos a organizar os nossos pensamentos tudo começa a fazer sentido, percebemos porque reagimos desta ou daquela maneira.

Parabéns pela belissima carta.

Beijinhos

Rosa Negra disse...

Bela carta...Curioso que poderia ter sido eu a escrevê-la há um tempo atrás...é estranho como nos agarramos tão facilmente a alguém e o processo contrário é tão íngreme e moroso.
Mas, tal como afirmas, nunca estamos sós...se olharmos bem, não estamos sós e nunca estaremos!
Abraço

Hugo Macedo disse...

Uma carta fabulosa...incrível, como é capaz de ser comum a tanta gente, retratar situações comuns a tantas pessoas...excelente.